ONU elenca cinco elementos sobre o papel das cooperativas no desenvolvimento social

por | 19-03-24

A influência da Organização das Nações Unidas (ONU) acerca das práticas conscientes e responsáveis dentro do universo cooperativista é inegável. Por isso, ao publicar o relatório “Cooperatives in social development (Cooperativas no desenvolvimento social, em uma tradução livre), a ONU reconheceu a importância do cooperativismo em um contexto global. 

Por meio de cinco elementos mapeados como referências e de estudos de caso que analisam o mercado atual, a ONU levantou uma hipótese que há muito tempo vem sendo defendida pelo RadarCoop: o modelo cooperativista tem muito a agregar na forma como as marcas do sistema podem alcançar e executar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Neste artigo, vamos falar sobre o relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas que aborda as principais políticas e ações para impulsionar o papel das cooperativas no desenvolvimento social a partir da execução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável instituídos pela própria organização. Tenha uma boa leitura!

Cinco elementos sobre o impacto das cooperativas no desenvolvimento social

Vamos ao que mais importa, então. Afinal, quais são os cinco elementos que o relatório propõe?

Elemento um: legislação, políticas e instituições de apoio às cooperativas

O primeiro elemento aborda a legislação, políticas e instituições de apoio às cooperativas. A Resolução 76/135 da Assembleia Geral destaca a importância dos governos revisarem a legislação existente para criar um ambiente legal mais propício ao desenvolvimento cooperativo. 

A correlação positiva entre o desenvolvimento das leis cooperativas ao longo dos anos e o crescimento das cooperativas é reconhecida internacionalmente. As leis cooperativas geralmente respeitam os princípios da Aliança Cooperativa Internacional e a Recomendação nº 193 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Há diversidade nos sistemas legais cooperativos, como nos EUA, com leis federais, estaduais e locais. Já na Europa, há regras transnacionais, enquanto na América Latina, as leis gerais muitas vezes são complementadas por leis específicas para tipos de cooperativas. Destacam-se mudanças recentes na legislação cooperativa na Argentina, Brasil, Reino Unido, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Honduras, Peru, Porto Rico (EUA), Cuba, Paraguai, Fiji, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Marrocos, Polônia, Jordânia, Washington (EUA), Uruguai e Uganda. Essas mudanças visam fortalecer a estrutura legal e promover o desenvolvimento sustentável das cooperativas em diversos setores e regiões.

Elemento dois: educação e desenvolvimento de capacidades nas cooperativas

O segundo elemento elencado pela ONU aborda a educação e o desenvolvimento de capacidades nas cooperativas. Destaca-se a necessidade de líderes de cooperativas, especialmente as comunitárias menores, aprimorarem suas habilidades em gestão, liderança e contabilidade.

A entidade destaca a importância da formação em cooperativas nos currículos escolares nacionais. Nesse cenário, iniciativas educacionais concentram-se em áreas como gestão cooperativa, governança, trabalho decente, valores de cooperação, solidariedade, mutualismo, empreendedorismo, inclusão, igualdade de gênero e emprego juvenil.

O Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais realiza oficinas de capacitação para apoiar cooperativas e seus órgãos decisórios. Foi o que aconteceu em 2021, durante um workshop, fruto da colaboração com o governo do Brasil, para líderes de cooperativas de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela. A iniciativa deu origem a um plano de ação para apoiar os países na busca pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Organizações como a Overseas Cooperative Development Council, dos Estados Unidos, e a Confederação Africana de Associações de Poupança e Crédito Cooperativas promovem projetos e eventos de treinamento em mais de 70 países, focados na capacitação cooperativa. O Instituto de Cooperativas, Empreendedorismo e Microfinanças de Ruanda oferece cursos curtos para líderes e gestores de cooperativas. Enquanto isso, Quênia e Tanzânia têm universidades cooperativas com cursos práticos e acadêmicos até o nível de pós-graduação. 

A OIT disponibiliza recursos online para capacitação em cooperativas e na economia social e solidária. Essas iniciativas visam melhorar as habilidades e capacidades para fortalecer as atividades das cooperativas no desenvolvimento social.

Elemento três: cultura cooperativa

O terceiro elemento mencionado discorre sobre a cultura cooperativa, dando destaque a como os aspectos culturais estão ligados a fatores históricos e sociais. Esse contexto influencia o ambiente favorável à atuação das cooperativas no desenvolvimento social. Utilizando as dimensões de valores culturais e normas de Hofstede, é possível analisar quais países e sociedades são mais propícios ao desenvolvimento cooperativo. 

A conclusão-chave é que o sucesso ou fracasso do modelo cooperativo em um país depende de onde as instituições se encontram no espectro de normas, valores, atitudes, regras, hábitos e rotinas. Além disso, há a influência de elementos históricos, sociais, culturais, legais, políticos e econômicos do ambiente institucional. O modelo de Hofstede identifica seis dimensões culturais nacionais:

  • Distância de poder
  • Individualismo
  • Evitação da incerteza
  • Masculinidade
  • Orientação de longo prazo 
  • Indulgência 

Cooperativas têm mais sucesso em países com baixa distância de poder, onde populações vulneráveis ​​não aceitam distribuição desigual de poder. Em situações de alta evitação de incerteza, cooperativas podem ter menos sucesso, pois dependem de confiança mútua e colaboração.

Em países com laços comunitários fracos e ênfase na autossuficiência, as cooperativas têm menos oportunidades de desenvolvimento. O inverso é verdadeiro, sobretudo em sociedades com alta igualdade de gênero. A orientação de longo prazo é crucial para as cooperativas que valorizam a autogestão democrática e a cooperação. Essa cultura cooperativa pode gradualmente expandir-se e influenciar as normas mais amplas da sociedade.

Elemento quatro: vínculos entre instituições financeiras cooperativas e outros tipos

O quarto elemento, por sua vez, destaca a importância de fortalecer os vínculos entre instituições financeiras cooperativas e outros tipos de cooperativas. Essa união garante o acesso a novas fontes de financiamento para o crescimento e desenvolvimento das cooperativas.

A determinação da solvência é crucial para o financiamento bem-sucedido em grande escala de pequenas cooperativas, como agricultores familiares. Tecnologias financeiras desempenham um papel importante nesse aspecto, como exemplificado pela companhia indiana Sat Sure Sage, que utiliza inteligência artificial e dados de satélite para avaliar a credibilidade de agricultores e, assim, facilitar empréstimos agrícolas.

O Rabobank, um banco cooperativo multinacional sediado na Holanda, implementou um programa para fortalecer instituições financeiras cooperativas. O projeto proporciona aumento na inclusão financeira em países como Colômbia, Etiópia e várias nações da África Ocidental. 

Outras iniciativas, como projetos de inclusão financeira do Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito e programas de apoio à economia social em Portugal e ao Instituto Nacional de Economia Social no México, destacam esforços para oferecer linhas de crédito subsidiadas, promover acesso a serviços financeiros e fortalecer fundos garantidores.

Além disso, o governo do Equador desenvolveu um esquema especial de financiamento que fortalece o fundo de garantia nacional para cooperativas. A ideia é conectar as cooperativas às fontes de financiamento, o que também inclui bancos privados. Essas iniciativas visam ampliar o acesso a crédito para cooperativas, impulsionando seu desenvolvimento econômico.

Elemento cinco: redes e parcerias cooperativas

Por fim, o quinto elemento aborda redes e parcerias cooperativas, destacando a colaboração entre cooperativas e diversas partes interessadas, como agências governamentais, instituições de educação e pesquisa, intermediários privados, organizações internacionais e outros grupos e redes cooperativas.

Redes cooperativas são fundamentais para a identidade cooperativa, embora nem sempre sejam fáceis de coordenar e manter, exigindo atenção focada e recursos dedicados. A colaboração e cooperação nas redes sociais da economia solidária têm um impacto significativo na construção de economias cooperativas e na abordagem de preocupações amplas relacionadas à sustentabilidade.

Exemplos incluem comunidades indígenas de comércio justo na América Latina, África e Ásia, que utilizam o modelo cooperativo para o desenvolvimento econômico sustentável, autonomia e preservação do ambiente e cultura local. 

Essas comunidades, por meio de redes intercooperativas e de economia solidária, praticam o comércio justo com países mais industrializados. Essas relações se baseiam em valores compartilhados de ajuda mútua, democracia, igualdade, equidade e solidariedade.

Um exemplo notável é a Kuapa Kokoo, uma cooperativa ganesa de agricultores de cacau que estabeleceu sua própria marca de chocolate em colaboração com uma ONG no Reino Unido. Outro exemplo é o Yomol A’tel, no México: uma coalizão de cinco empreendimentos de economia solidária indígena, unindo centenas de famílias e trabalhadores na cadeia de valor do café, mel e outros produtos, promovendo a solidariedade e a intercooperação de acordo com a cultura indígena

O que esperar para o futuro?

Depois desses cinco elementos, uma coisa fica clara: as cooperativas têm muito a oferecer para o desenvolvimento social e econômico. Mas para que todo esse potencial seja aproveitado, é necessário que seja feito um mapeamento adequado dessas instituições e que haja um fluxo de comunicação eficiente entre elas.

Essa é a ideia por trás do RadarCoop: ser um elo entre cooperativas empreendedoras e ecossistemas de inovação, de forma a gerar oportunidades de crescimento para elas. Se você tem interesse no assunto, vale a pena conferir os nossos conteúdos e ficar de olho em nossas redes sociais.

Por Radar Coop